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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma capa

Uma capa

Uma capa fiz do meu canto
Debaixo a cima
Bordada
De antigas mitologias;
Mas tomaram-na os tolos
Para exibi-la ao mundo
Como se por eles fora lavrada.
Deixa, canto, que a tomem
Pois maior feito existe
Em andar nú.

(W.B. Yeats)



domingo, 15 de dezembro de 2013

Sonhos e inspiração



'' O sonho é tido, já desde a mais remota antiguidade, na conta de uma forma de inspiração. É em sonhos que os deuses falam às vítimas, etc. Convém no entanto observar que os indivíduos que trataram dos seus sonhos, até estes últimos tempos, com incomparáveis cuidados, cuidados esses puros e livres de preocupações literárias ou médicas, o não fizeram com vista a estabelecerem relações com qualquer Além. Podemos dizer que ao sonharem eles se sentiram menos inspirados do que nunca. Narram com fidelidade objectiva tudo quanto se lembram nesses sonhos. Podemos até dizer o seguinte: fora da narrativa de um sonho, em nenhumas outras circunstâncias se consegue alcançar objectividade maior. Isto porque no caso vertente nada se interpõe entre a realidade e o indivíduo que dorme, como acontece no estado de vigília com aquilo a que chamamos censura, razão, etc. Mas imaginem que ao transcreverem uma tal realidade eles exprimem parvoíces dum estilo imperfeito; caso isso suceda, logo se denunciam como gente traiçoeira. Já não descrevem um sonho, fabricam literatura. Cá por mim exijo sempre que os sonhos que me dão a ler sejam escritos em língua escorreita.'' (Louis Aragon, Tratado do Estilo, Antígona, Lisboa, 1995)

domingo, 8 de dezembro de 2013

Comércio e mercadoria



''Um político que assistia a uma sessão da Câmara de Comércio pediu a palavra, mas viu a sua pretensão negada com base na alegação de nada ter a ver com o comércio.
-Senhor Presidente- disse um membro idoso, levantando-se: considero a objecção infundada. Este cavalheiro tem uma estreita e íntima relação com o comércio: ele próprio é uma mercadoria.''
(Ambrose Bierce ''Esopo emendado&outras fábulas fantásticas'', Antígona, Lisboa, 1996)

sábado, 23 de novembro de 2013

Fala Maldoror




''Vi, durante toda a minha vida, sem uma única excepção, os homens, de ombros estreitos, praticarem actos estúpidos e numerosos, embrutecerem os seus semelhantes e perverterem as almas por todos os meios. Ao motivo das suas acções chamam: glória. Vendo tais espectáculos, quis rir como os outros; mas isso, bizarra imitação, era-me impossível. Peguei num canivete, cuja lâmina tinha um gume afiado, e rasguei a minha carne nos sítios onde se juntam os lábios. Por um instante, julguei que atingira o meu fim. Olhei num espelho esta boca  mortificada pela minha própria vontade! Cometera um erro! O sangue que corria abundantemente das duas feridas impedia-me, aliás, de perceber se era realmente aquele o riso dos outros. Porém, após alguns momentos de comparação, dei-me conta que o meu riso não se assemelhava ao dos humanos, ou seja, que não me ria. Vi os homens, de cabeça feia e olhos terríveis afundando-se em órbitas sombrias, superarem a dureza do rochedo, a rigidez do aço fundido, a crueldade do tubarão, a insolência da juventude, o furor insensato dos criminosos, as traições do hipócrita, os actores mais extraordinários, a força de carácter dos padres, e os seres exteriormente mais dissimulados, os mais frios dos mundos e do céu; fatigarem os moralistas a descobrir o seu coração e fazerem cair sobre si  a cólera implacável das alturas. Vi-os a todos ao mesmo tempo: ora com o punho mais robusto erguido para o céu , como o de uma criança, já perversa, afrontando a mãe, provavelmente animados por algum espírito infernal, com os olhos ensombrados por um remorso simultaneamente pungente e rancoroso, num silêncio glacial, não ousando exprimir as profundas e ingratas meditações encerradas no seu íntimo, de tal modo a povoavam a injustiça e o horror, e entristecendo de compaixão o Deus de misericórdia; ora, ao longo de todo o dia, desde o começo da infância até ao fim da velhice, espalhando anátemas inacreditáveis, destituídos de senso comum, contra tudo o que respira, contra si próprios e contra a Providência, prostituindo mulheres e crianças e desonrando assim as partes do corpo consagradas ao pudor. Então, os mares revoltam as águas, afundam nesses abismos as tábuas; os furacões, os tremores de terra derrubam as casas; a peste, as várias doenças dizimam as famílias devotas. Mas os homens de nada se apercebem. Vi-os também a corar, a empalidecer de vergonha devido à sua conduta neste mundo; raramente. Tempestades, irmãs dos furacões; firmamento azulado, cuja beleza não admito; mar hipócrita, imagem do meu coração; Terra, de seio misterioso; habitantes das esferas; todo o universo; Deus, que o criaste com magnificiência, é a ti que invoco: mostra-me um homem que seja bom!...Mas que a tua graça decuplique as minhas forças naturais; já que, perante o espectáculo desse monstro, posso vir a morrer de assombro: há quem morra por menos''. 
(Conde de Lautréamont/Isidore Ducasse, ''Os Cantos de Maldoror'', Poesias I&II, Antígona, 2009)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

'' Que me importa a vida? ''

'' Breve ou longa, que me importa a vida?
não temos de morrer um dia?

Por muito que se puxe e estenda o fio
não chegará um dia ao seu limite?

Quer vivas infeliz e na miséria
ou mesmo seguro e afortunado,

Tudo se equivale no dia de morrermos.
Quer a sorte nada te tenha oferecido

Quer, deste mundo, mil terras te haja dado,
tanto faz, no dia em que morrermos.

Fortuna e infortúnio: apenas sonho!
e o sonho só vale como sonho,

não há diferença no dia de morrermos.''

Rudaki, Poeta persa(880-940), in '' Irão- viagem ao país das rosas'', Ésquilo, 2007

domingo, 17 de novembro de 2013

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Orwell e a falsificação da História







'' Sei que se tornou moda dizer que a maior parte da História registada é mentira. Estou pronto a acreditar que a História, na sua maior parte, se apresenta inexacta e tendenciosa; mas aquilo que é peculiar ao nosso tempo é o abandono da ideia de que a História poderia ser escrita com verdade. No passado, as pessoas mentiam deliberadamente, ou coloriam inconscientemente aquilo que escreviam, ou lutavam pela verdade com a certeza de cometerem bastantes erros; mas faziam tudo isto sabendo que os factos existiam e que era possível descobri-los. Na prática, havia sempre uma massa factual com a qual quase todas as pessoas concordavam. É justamente esta base comum de acordo, da qual decorre que todos os seres humanos são uma única espécie animal, que o totalitarismo destrói. O desígnio resultante desta forma de pensar é um mundo em que o Chefe, ou uma qualquer súcia governante, supervisa não apenas o futuro mas também o passado. Esta prospectiva assusta-me muito mais do que as bombas- e depois das nossas experiências dos últimos anos, não se trata aqui de uma afirmação gratuita.''
(George Orwell, 1942)

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O Lago





O Lago

'' Tive eu na mocidade ocasião
De achar do mundo vasto um lugar
O qual eu não podia mais amar...
Porquanto me encantou a solidão
Dum lago agreste, por negros rochedos
Circundado, e por altos arvoredos.

Mas quando a Noite o seu sudário
Deitava em seu lugar, e em tudo à volta,
E o vento misterioso andava à solta...
E o vento um canto murmurava...
Ah...era então que eu despertava
Para o terror do lago solitário.

Contudo, tal terror não me assustava,
Mas com tremores me deleitava...
Um sentimento tal cujo mistério
Excede mil jazigos de minério...
E mesmo o teu Amor... que eu cobiçava.

No veneno da onda havia dolo,
E em seu vórtice um esquife apropriado
A quem aí buscava o consolo
De um espírito, erguendo transviado,
Em seu imaginário isolado,
Um Éden no sombrio e torvo lago.''

(Edgar Allan Poe, ''O Lago'', in ''Obra poética completa'', Tinta-da-China, Lisboa, MMIX)



sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Silêncio Branco






'' A natureza serve-se de inúmeros artifícios para inculcar no homem a noção da sua finitude- o fluir incessante das marés, a fúria da tormenta, o abalo do terramoto, o longo retombar da trovoada- mas de todos eles o mais temível, o mais aterrador, é a impassibilidade do Silêncio Branco. Todo o movimento cessa, o ar esvai-se, o céu torna-se de chumbo; o mais pequeno sussurro soa a sacrilégio e um homem assusta-se e intimida-se com o som da sua própria voz. Único átomo de vida a deslocar-se na vastidão espectral de um mundo morto, treme perante a sua própria audácia, toma consciência que a sua existência pouco mais vale que a de um verme. Surgem-lhe então pensamentos estranhos, inopinados, e parece querer revelar-se-lhe o mistério de todas as coisas. Apodera-se dele o temor da morte, de Deus, do universo- a esperança na Ressureição e na Vida, o anseio de imortalidade, a porfia vã da essência aprisionada- e é então, e só então, que o homem caminha apenas na companhia de Deus. '' (Jack London, ''O Filho do lobo'', Antígona, Lisboa, 2001)






sábado, 21 de setembro de 2013

Desafio



Desafio

'' Tenho uma vaga lembrança
De uma história que se conta
Em certa velha lenda espanhola
Ou numa crónica antiga

Foi quando o bravo rei Sancho
Morreu às portas de Zamora
À qual o seu grande exército  montava cerco
Acampado na planície.

Don Diego de Ordenez
Apresentou-se sozinho diante de todos
E gritou bem alto o seu desafio
Aos que defendiam as muralhas da cidade.
A todos os moradores de Zamora,
Aos nascidos e aos que estavam para nascer,
Desafiou como traidores
Em tom desdenhoso e altivo.

Insultou os vivos nas suas casas
E os mortos nas suas campas,
As água dos rios
E o vinho, o azeite e o pão.

Há um exército bem mais poderoso
Que nos assalta de todos os lados
Um exército infindo e faminto
Que luta em todas as portas da vida.
Os milhões que a pobreza oprime
Que vêm disputar o nosso pão e vinho
E nos acusam de traição
Nós, os que estamos vivos, e os mortos também.

E sempre que me sento à mesa do banquete
Onde a festa e as canções não têm fim
No meio da alegria e da música
Ouço os seus gritos terríveis,

Vejo os seus rostos tristes e descarnados
Fitando o salão iluminado
E as mãos exangues e estendidas
Para apanhar as migalhas que caem.

Dentro de casa há luz e abundância,
No ar pairam bons odores,
Mas lá fora, reinam o frio e a noite,
A fome e o desespero.

E no acampamento faminto
Ao vento, ao frio e à chuva,
Cristo, o grande Senhor dos Exércitos,
Jaz morto na planície. ''

H.W. Longfellow

sábado, 7 de setembro de 2013

América


'' A América é a terra da alegria, como a Alemanha é a terra da metafísica e a França a terra da fornicação. Aqui, a bufonaria não conhece descanso. Os Estados Unidos são, incomparavelmente, o maior espectáculo do mundo. Um espectáculo que exclui todo o tipo de palhaçadas que rapidamente me entediam- o cerimonial monárquico, o malabarismo fastidioso da haute politique ou a atitude séria perante a política, por exemplo-, pondo antes a ênfase no tipo de situações que me divertem incessantemente: as discussões brejeiras dos demagogos, as deliciosas e engenhosas manigâncias dos mestres da pulhice, a perseguição a bruxas e hereges, as tentativas desesperadas dos homens inferiores para treparem até ao Céu. Temos entre nós, em constante actividade, bobos que se destacam dos de qualquer outro grande país; não apenas vinte ou trinta, mas verdadeiras manadas deles. Aquilo que noutro país cristão qualquer está irremediavelmente votado a um tédio incurável- coisas que, pela sua natureza, parecem desprovidas de toda a piada-, é aqui elevado a um patamar de bufonaria que nos faz rir a bandeiras despregadas. ''

(H.L.Mencken, ''Os Americanos'', Antígona, 2005)

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

The missing shepherd

The missing shepherd

A man went strolling
Through green hills unknown
He saw a black snake crawling
And found himself alone

A strange voice was whispering
His best friend's name
A brown cane was glittering
It was not in vain

He picked up the cane
Of his shepherd friend
And ran through fields of grain
Of that mysterious land

To the village he went back
Told the people to come with him
He put a necklace in his neck
They went searching for his friend unseen

Several hours have passed
Of the shepherd they saw no sign
But the flock was seen at last
Down in the hill, right before nine

They kept searching for the man
That dark night no rest they had
Nor they shall weep again
When the shepherd's friend goes to bed.

N. Afonso

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

''Os nossos políticos não são gente''



'' Os nossos políticos não são gente. Nenhum deles mostra ter tido na sua vida uma daquelas crises espirituais donde se emerge talvez ferido para sempre, mas psiquicamente homem, personalidade espiritual.  '' (Fernando Pessoa, fragmentos da 'Carta a um herói estúpido'.)

terça-feira, 6 de agosto de 2013

'' Nada de comissões''






Vidas(III)

'' Num esconso onde me fecharam aos doze anos conheci o mundo, ilustrei a comédia humana. Num celeiro aprendi história. Numa gala nocturna duma cidade do Norte, vi todas as mulheres dos antigos pintores. Numa velha passagem de Paris ensinaram-me as ciências clássicas. Numa incursão magnífica, assistido por todo o Oriente, completei minha obra imensa e fiz a minha insigne retirada. Fermentei o meu sangue. Fui-me restituído. Que de tudo isto nem a ideia fique. Sou realmente de além túmulo, e nada de comissões.'' (Jean- Arthur Rimbaud, Vidas(III), in '' Iluminações/Uma cerveja no inferno'', Assírio&Alvim, 2007, tradução de Mário Cesariny)

sábado, 29 de junho de 2013

No meio de nós

No meio de nós

No meio de nós há muros e barreiras
Palavras artificiais e gestos inúteis

Circunspectos olhares e troça
Paredes de cal que nos separarm,
Grinaldas de flores e cactos verdejantes

Sorrisos cúmplices e complacentes,
Mãos enlameadas que se tocam
Na envolvente penumbra da noite

Silêncios que perduram no tempo,
Desfaçatez iníqua que se infiltra
Pelas vidraças enquanto o vento sopra

Entre nós há destroços que se movem,
Hoje aqui e amanhã ali...

E não se esquece a pérfida monotonia
Que nos abate, implacavelmente
Nem o latir dos velhos cães
Nas ruas desertas e frias.

Resta um só segredo por contar,
Uma frágil narrativa que nos define.

N. Afonso


quarta-feira, 12 de junho de 2013

Yang e Yin


 Yang e Yin

Sou o Sol radiante que anuncia o amanhecer,
Tu és a lua sombria na escuridão
Sou o fogo vermelho que te consome,
Tu a água fresca que tudo lava.

Sou o masculino imóvel que se move,
Aparente contradição sem o ser.
Tu és o feminino volátil que se abre.

Sou o dia claro que te envolve,
És a noite escura que assusta e atrai.
Sou o branco, tu és o negro.

Eu sou o Yang, tu és o Yin,
Os opostos que se completam.

N. Afonso