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sábado, 23 de novembro de 2013

Fala Maldoror




''Vi, durante toda a minha vida, sem uma única excepção, os homens, de ombros estreitos, praticarem actos estúpidos e numerosos, embrutecerem os seus semelhantes e perverterem as almas por todos os meios. Ao motivo das suas acções chamam: glória. Vendo tais espectáculos, quis rir como os outros; mas isso, bizarra imitação, era-me impossível. Peguei num canivete, cuja lâmina tinha um gume afiado, e rasguei a minha carne nos sítios onde se juntam os lábios. Por um instante, julguei que atingira o meu fim. Olhei num espelho esta boca  mortificada pela minha própria vontade! Cometera um erro! O sangue que corria abundantemente das duas feridas impedia-me, aliás, de perceber se era realmente aquele o riso dos outros. Porém, após alguns momentos de comparação, dei-me conta que o meu riso não se assemelhava ao dos humanos, ou seja, que não me ria. Vi os homens, de cabeça feia e olhos terríveis afundando-se em órbitas sombrias, superarem a dureza do rochedo, a rigidez do aço fundido, a crueldade do tubarão, a insolência da juventude, o furor insensato dos criminosos, as traições do hipócrita, os actores mais extraordinários, a força de carácter dos padres, e os seres exteriormente mais dissimulados, os mais frios dos mundos e do céu; fatigarem os moralistas a descobrir o seu coração e fazerem cair sobre si  a cólera implacável das alturas. Vi-os a todos ao mesmo tempo: ora com o punho mais robusto erguido para o céu , como o de uma criança, já perversa, afrontando a mãe, provavelmente animados por algum espírito infernal, com os olhos ensombrados por um remorso simultaneamente pungente e rancoroso, num silêncio glacial, não ousando exprimir as profundas e ingratas meditações encerradas no seu íntimo, de tal modo a povoavam a injustiça e o horror, e entristecendo de compaixão o Deus de misericórdia; ora, ao longo de todo o dia, desde o começo da infância até ao fim da velhice, espalhando anátemas inacreditáveis, destituídos de senso comum, contra tudo o que respira, contra si próprios e contra a Providência, prostituindo mulheres e crianças e desonrando assim as partes do corpo consagradas ao pudor. Então, os mares revoltam as águas, afundam nesses abismos as tábuas; os furacões, os tremores de terra derrubam as casas; a peste, as várias doenças dizimam as famílias devotas. Mas os homens de nada se apercebem. Vi-os também a corar, a empalidecer de vergonha devido à sua conduta neste mundo; raramente. Tempestades, irmãs dos furacões; firmamento azulado, cuja beleza não admito; mar hipócrita, imagem do meu coração; Terra, de seio misterioso; habitantes das esferas; todo o universo; Deus, que o criaste com magnificiência, é a ti que invoco: mostra-me um homem que seja bom!...Mas que a tua graça decuplique as minhas forças naturais; já que, perante o espectáculo desse monstro, posso vir a morrer de assombro: há quem morra por menos''. 
(Conde de Lautréamont/Isidore Ducasse, ''Os Cantos de Maldoror'', Poesias I&II, Antígona, 2009)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

'' Que me importa a vida? ''

'' Breve ou longa, que me importa a vida?
não temos de morrer um dia?

Por muito que se puxe e estenda o fio
não chegará um dia ao seu limite?

Quer vivas infeliz e na miséria
ou mesmo seguro e afortunado,

Tudo se equivale no dia de morrermos.
Quer a sorte nada te tenha oferecido

Quer, deste mundo, mil terras te haja dado,
tanto faz, no dia em que morrermos.

Fortuna e infortúnio: apenas sonho!
e o sonho só vale como sonho,

não há diferença no dia de morrermos.''

Rudaki, Poeta persa(880-940), in '' Irão- viagem ao país das rosas'', Ésquilo, 2007

domingo, 17 de novembro de 2013