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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

'Cosmocrátor', por Giovanni Papini

                                                           

' Receio ter-me enganado no planeta. Estamos muito apertados aqui. Não há bastante lugar para mim.
     Ou enganei-me, talvez, no século. Os meus verdadeiros companheiros morreram há milhares de séculos, ou estão, ainda, por nascer.
    O facto é que, por toda a parte, me sinto estranho e mortificado. A Terra é um punhado de esterco ressequido e de urina verde, a que se dá a volta em poucas horas, e, amanhã, em poucos minutos. E não há ocupações adequadas e dignas de uma pessoa que sinta dentro de si os apetites e as fantasias de um titã.
    Penso, às vezes, que a Ásia podia ser a minha feitoria, a África o meu campo de caça ou o meu jardim de Inverno, a América do Norte a minha fábrica, com as administrações anexas, a do Sul, os pastos para os meus rebanhos, a Europa o meu museu e a minha villa de descanso. Mas seria sempre uma maneira mesquinha de viver. Ter o Atlântico como piscina, o Pacífico como pescaria, o Etna como estufa, tomar duches sob o Niágara, possuir a Austrália como jardim zoológico e o Sáara como terraço para os banhos de Sol, são coisas que pareceriam, às estúpidas criaturas que se alojam nesta esfera de quinta grandeza, portentosas ou monstruosas.
    Para mim, contudo, desejaria um pouco mais. Ser o Cosmocrátor supremo, o director da vida universal, o engenheiro-chefe do teatro do Mundo, o grande prestidigitador das terras e dos mares: esta seria a minha verdadeira vocação. Não podendo, porém, ser Demiurgo, a carreira de Demónio é a única que não desonra um homem que não faz parte do rebanho.
    Se pudesse, por exemplo, desencadear a fome num Continente, fragmentar em repúblicas de S.Marino e de Andorra um Império, destruir uma raça, separar a Europa da Ásia por meio de um canal desde o mar de Kara ao Cáspio, obrigar todos os homens a falar e a escrever uma só língua, creio que, por dois ou três anos, conseguiria fazer desaparecer o meu perpétuo aborrecimento.
    Ser-me-ia agradável também ter em minha casa, sob as minhas ordens, um Presidente da República como dactilógrafo, um rei qualquer como motorista, uma rainha destronada como cozinheira, o Kaiser como jardineiro, o Mikado como porteiro e, sobretudo, ter ao meu serviço, como ídolo doméstico e falante, um Dalai-Lama, isto é, um Deus vivo. Com que volúpia eu descarregaria sobre esses grandes reduzidos a escravos a desesperação da minha insuportável pequenez! '

Giovanni Papini 'Cosmocrátor', em ' Gog '


 

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