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terça-feira, 13 de março de 2012

Julius Evola sobre os kamikaze

'' Muitos saberão já o que são os kamikaze. Tal é o nome que foi dado àqueles aviadores japoneses que na última grande guerra se lançavam com uma carga de explosivos que acompanhava o seu avião contra o navio dos inimigos para os fazer saltar pelo ar. Falou-se muito destes ' voluntários da morte ',  umas vezes com admiração, outras com horror. Mas nem sempre foi captado o sentido completo desta iniciativa, na verdade sem precedentes na nossa história: dado que este é o primeiro caso de uma táctica sistematicamente estudada e organizada que implica a morte certa dos combatentes, aplicada não em casos esporádicos, dentro dos limites de formas de exaltação individual, mas durante um longo período e com um corpo especial instruído de maneira adequada.

Este corpo foi criado pelo amirante Onishi, quando, perante a esmagadora superioridade de meios por parte do adversário, parecia não haver outra esperança de vitória que não fosse um milagre somente realizável por um caminho de excepção. Kamikaze quer dizer ' vento divino 'e ' tempestade dos deuses '. Com isto fez-se referência a um episódio da história anterior do Japão. Em 1281, numa situação também desesperada, um furacão, que se pensou haver sido desencadeado pelos deuses, salvou o Japão afundando em poucos minutos uma potente frota inimiga. Deste modo os kamikaze conceberam-se a si mesmos quase como a encarnação da mesma força divina que então havia salvo a nação. No momento da constituição dos corpos, estas foram as palavras pronunciadas pelo almirante Onishi: ' Dirijo-me a vós em nome dos cem milhões de japoneses para solicitar o vosso sacrifício, invocando a vitória. Vocês já são deuses e os deuses esquecem-se de qualquer desejo humano. Se por acaso ainda têm um, que seja aquele de saber que o vosso sacrifício não foi em vão. '
Tais palavras encontraram um solo preparado no estado de ânimo de exasperação nascido nas massas de combatentes, que, ainda constatando a impossibilidade de fazer frente ao inimigo com os mesmos meios, não queriam, no entanto, de nenhuma maneira vergar-se ante um destino infausto. Deste modo, a obrigação de vencer a qualquer custo, atestada num primeiro momento por exemplos isolados, com a precipitação dos acontecimentos, e com a criação daquele corpo especial, acabou inchando como uma torrente destruidora '.
Calcula-se que desde 24 de Outubro de 1944, data da criação do corpo dos kamikaze, até 15 de Agosto de 1945, data da capitulação do Japão, 2530 pilotos se lançaram nos ataques suicidas contra os porta-
- aviões, os couraçados e os transportes norte-americanos. No momento em que, apesar de tudo, o Japão depôs as armas, o almirante Onishi matou-se, alcançando assim os seus homens na morte. Pouco antes, escreveu esta breve poesia lírica: ' Depois da tempestade/a lua apareceu, radiante '. Isto leva-nos a analisar o elemento interior, ético e espiritual do espírito kamikaze. Por um lado, a chamada de Onishi encontrou uma superabundância de voluntários. Os que eram escolhidos consideravam tal coisa como uma grande honra pela qual agradeciam, e que por vezes se chegou até a protestar e acusar de favoritismo e de corrupção quando tal privilégio não era concedido. Por isso deve ser sublinhado que não se tratava de um gesto ditado por um  momento de exaltação e de delírio heróico. Podia acontecer que os kamikaze tivessem que esperar meses inteiros antes de serem enviados numa missão. E neste período passavam o tempo realizando as suas ocupações normais, participando até em jogos e diversões, quase como se não tivessem ante si a perspectiva de partir rumo a uma morte certa e quase como se aquelas não fossem as suas últimas horas de vida. O seu misticismo guerreiro era acompanhado por uma fria e lúcida determinação, dado que, tal como se mencionou, eles tinham que instruir-se a fundo nas técnicas precisas de um ataque que, para ter
eficácia, exigia até ao fim um absoluto domínio de si  mesmo.

Para entender tudo isto temos que fazer referência a factores ético-espirituais e a uma concepção da vida totalmente diferente da que impera no Ocidente moderno. Em primeiro lugar existia a ideia de que ' ao converter-se em soldados já se tinha dado a vida pelo Imperador ' e que ' se os nossos tivessem que pensar não ter feito tudo para vencer, também se matariam sem por isso considerar-se livres das suas culpas. ' Encontrava-se rapidamente uma ética mais geral derivada da sabedoria de Confúcio, a qual, do mesmo modo que a estóica, exorta a viver tal com se cada dia fosse o último. E a esta ética que, se é vivida, não pode senão propiciar um natural e calmo desapego, unia-se-lhe aquilo que vinha de um concepção tradicional que não vê no nascimento o princípio da existência humana e na morte o fim inevitável do ser. Daí a característica de um heroísmo que não é obscuro, trágico e desperado, mas que se encontra confirmado pela certeza de uma vida superior. Por isso os kamikaze eram considerados ' deuses vivos '. Por isso, para os seus aparelhos não foram escolhidos símbolos da morte, caveiras, ou cor negra ou outra, tal como, pelo contrário, acontece em outros casos, mas sim símbolos de imortalidade. Ooka foi denominado o pequeno tipo de avião de um só lugar, que, carregado com duas toneladas de explosivos, era
largado por um bombardeiro e que por meio de aceleradores a propulsão se precipitava a uma alta velocidade sobre o objectivo, com uma autonomia de 20 km. Mas Ooka quer dizer ' flor de ameixa ', flor que no Extremo Oriente é também um luminoso símbolo de imortalidade.

Mas esta imortalidade, de acordo com a concepção japonesa, não é de carácter puramente transcendente; é a de forças que ainda o além pode suportar e alimentar a grandeza e a força do Império. Por isso, o almirante Onishi pôde também dizer: ' O nascimento do espírito kamikaze assegura-nos a perenidade do Japão, ainda que haja apenas uma probabilidade ínfima de vencer. ' E no fundo, esta aparece como radical justificação do sacrifício daqueles que tinham pensado ' levantar com a pureza da sua juventude o vento dos deuses '. O aparecimento dos kamikaze aterrorizou por certo as forças norte-americanas. Ficaram descrições do paroxismo e pânico que produzia nos barcos yankees o seu mero aparecimento. Lançavam-
-se contra o mesmo todo o tipo de elemento bélico e muitas vezes acontecia que o avião, ainda com o embate, arrastava-se com uma bola de chamas e fumo contra o objectivo. Mas os resultados tácticos e estratégicos esperados não foram obtidos. As coisas haviam já chegado a um ponto em que faltavam os aparelhos,e  não era sequer possível arranjar uma escolta necessária para impedir que os kamikaze fossem abatidos muito antes de poderem aproximar-se das ' task-force ' norte-americanas e de outros objectivos. Todas as destruições realizadas não puderam de forma alguma impedir a derrota.

E esta é uma experiência deprimente. Deprimente porque poderia não valer apenas para aquele caso. Os tempos parecem ser tais que mesmo a extrema tensão heróica de espíritos que já de forma antecipada rescindiram o vínculo humano pode ser vã ante uma esmagadora potência organizada da matéria. ''

Roma, 11 de Dezembro de 1957.( Texto traduzido do Castelhano)





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